Igualdade salarial: lei tem falhas e pode afetar reputação
que alimentarão os sistemas do governo federal conforme exige a Lei da Igualdade
Salarial, segundo advogados ouvidos pela Folha.
O prazo para entregar o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios
foi prorrogado para a próxima sexta-feira (8), mas as companhias entendem que a base
de dados usada na elaboração dos relatórios exigidos é frágil, o que pode criar uma
impressão de que a empresa não adota medidas para promover a igualdade de gênero.
O efeito, ao final, seria o comprometimento de sua imagem pública. Segundo a lei,
companhias com mais de cem funcionários devem prestar informações sobre seus
quadros para fiscalização da desigualdade de remuneração entre gêneros.
A base de dados considerada para o relatório é a CBO (Classificação Brasileira de
Ocupações). Na avaliação do advogado Caio Taniguchi, sócio na área de Direito
Trabalhista e Previdenciário do escritório TozziniFreire, ela é limitada por não mostrar
possíveis razões para as diferenças salariais em um mesmo cargo, como tempo de
empresa, especializações do funcionário, empenho etc.
"Apesar das críticas apresentadas sobre os mecanismos que serão utilizados para se
averiguar as remunerações recebidas por homens e mulheres, não se discute a
importância que uma lei dessa magnitude tem nos dias de hoje", Gabriela Carvalho,
coordenadora trabalhista do escritório PSG Advogados.
A preocupação maior é com o que consideram ser falta de clareza sobre o que será
considerado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, responsável por fiscalizar as
companhias no âmbito da lei e aplicar as multas. Quem não enviar os dados para o
relatório pagará multa administrativa de até 3% sobre a folha de pagamento, com limite
fixado em cem salários mínimos.
Taniguchi chama atenção para o fato de que a elaboração do relatório caberá ao
Ministério do Trabalho e Emprego, e não às empresas. Esse é outro ponto de
insegurança para os empresários.
A advogada trabalhista Fábia Bertanha, do escritório Lopes Muniz, aponta ainda que os
dados também não consideram pontos negociados em acordos coletivos ou normas
internas que podem gerar diferenças salariais e que não seriam discriminatórias
Além da falta de detalhamento, Manuela Cristina Fernandes Leite, advogada trabalhista
que coordena o Chiode Minicucci Advogados, destaca que a CBO agrupa os cargos em
grandes grupos. "Significa que uma imensa variedade de cargos que, muitas vezes, têm
remunerações bastante distintas entre si, estarão agrupadas dentro do mesmo
'universo'", pondera Leite.
A classificação de ocupações, segundo Taniguchi, do TozziniFreire, nunca foi usada para
fins de fiscalização, apenas para levantamento estatístico. Com isso, não há um
detalhamento nesse sistema de como funcionam as estruturas de cargos existentes.
Junto aos ministérios do Trabalho e Emprego e das Mulheres, os advogados que
atendem empresas avançaram pouco na tentativa de tirar dúvidas. Após uma
transmissão online feita pelas pastas para tratar do assunto, a percepção foi de mais
problemas.
Um deles, segundo Manuela Leite, é a decisão dos ministérios de utilizar informações
relativas ao "salário mediano contratual", ao "salário mediano de admissão" e ao "salário
médio efetivamente pago".
"Nenhuma dessas definições está na legislação. A questão matemática, entre médias e
medianas, já é bastante complexa —pois não são números fáceis de achar para uma
empresa", diz a advogada.
O Ministério do Trabalho e Emprego foi procurado pela reportagem, mas ainda não
respondeu.
As empresas também temem os efeitos da divulgação dos dados de salários e cargos,
tanto para a competividade entre companhias, e também porque permitirá que os
empregados comparem suas remunerações a partir de critérios objetivos. Isso mesmo
após o Ministério da Mulher garantir que a lei não fere a LGPD (Lei Geral de Proteção de
Dados).
"Na minha leitura, a publicização desses dados aumentará a judicialização dos pedidos
de isonomia e equiparação salarial", diz a advogada Gabriela Carvalho, coordenadora
trabalhista do escritório PSG Advogados.
Quando o empregado for único em sua função, há ainda o risco de fácil identificação,
mesmo que seu nome seja preservado.
Folha Mercado
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Reajustes salariais por produtividade e meritocracia também ficariam sob risco. Como o
relatório será amplamente divulgado, as empresas poderiam evitar essas promoções
para que elas depois não sejam vistas como discriminatórias.
Para a advogada Érika Seddon, sócia da prática de Trabalhista e Sindical do escritório
Mattos Filho, a preocupação das empresas com o dano reputacional é legítima. Na
avaliação dela, o relatório poderá expor um grau de desigualdade de gênero que
realmente existe, mas aparentando ser pior do que é a realidade.
A legislação que trata da equidade salarial também exige que as empresas informem
suas políticas para promoção de igualdade. Segundo Caio Taniguchi, do TozziniFreire, o
formulário disponível tem apenas tópicos que engessam o lançamento das
informações.
Os advogados dizem que, apesar de existir desigualdade de gênero nas companhias, há
um esfoço em adotar práticas que reduzam a disparidade.
"Não adianta só correr atrás das empresas para que elas adequem suas práticas
salariais, enquanto a regulamentação da licença paternidade ainda está parada no
Congresso Nacional, por exemplo", diz a advogada Manuela Cristina Fernandes Leite.
A expectativa dos advogados que atendem empresas é a de que o início da vigência da
lei sirva mais como ferramenta educativa e não punitiva.
À Folha, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalvez, disse que não pretende multar
empresas imediatamente. Segundo ela, o governo quer ver a lei ser cumprida ao menos
com igualdade salarial na base, ou seja, em salários iniciais nas companhias.
Artigo originalmente publicado no dia 29 de fevereiro de 2024 na Folha de S. Paulo.