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Maioria do STF derrubou decisões a favor de vínculo com aplicativos

Published on: 2024/03/04
Maioria do STF derrubou decisões a favor de vínculo com aplicativos
Pelo menos sete integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) já negaram vínculo de emprego entre trabalhadores e plataformas de aplicativos de transporte ou entrega em decisões monocráticas (de um só ministro) ou de turma. Os posicionamentos são um indicativo de que as empresas podem vencer a discussão, que será analisada em repercussão geral - como decidiram os ministros em julgamento finalizado na sexta-feira, no Plenário Virtual.

Nessas decisões, dadas geralmente em reclamações, os ministros derrubaram sentenças ou acórdãos da Justiça do Trabalho que haviam reconhecido a relação de emprego. Para eles, estariam violando a jurisprudência do STF em processos com discussões semelhantes, como a que validou a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim (ADPF 324).

Os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Nunes Marques e Dias Toffoli já se manifestaram contra o vínculo de emprego, em decisões monocráticas. A ministra Cármen Lúcia também seguiu esse caminho, mas em decisão de colegiado. Acompanhou o relator em sessão da 1ª Turma que negou vínculo de um motorista com a Cabify, que não opera mais no Brasil (Rcl 64018).

O ministro Nunes Marques, ao cassar uma decisão trabalhista contra o aplicativo de entregas Moovery, entendeu que “não foi fornecido qualquer elemento concreto que indique exercício abusivo da contratação com a intenção de fraudar a existência de vínculo empregatício”. Assim, diz, “o acórdão reclamado está em descompasso com a orientação desta Corte firmada no julgamento da ADPF 324” (RCL 60741).

Ao todo, foram localizadas 15 reclamações sobre o tema, entre julho de 2023 e fevereiro deste ano, mapeadas pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho além do Direito do Trabalho”, da Universidade de São Paulo (USP), em convênio com a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). O estudo foi compartilhado com exclusividade com o Valor.

Guilherme Guimarães Feliciano, coordenador do núcleo de pesquisa e juiz da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté (SP), reconhece que as decisões do STF são até então desfavoráveis aos motoristas e entregadores, mas nada impede que haja uma mudança de entendimento. Ele defende que, na repercussão geral, não seja aplicada a tese da terceirização.

- Clarissa Lehmen “Tenho dúvidas da aderência estrita do julgado [na ADPF 324] nos casos das plataformas, porque elas não são meras intermediadoras entre consumidor e prestador de serviço. Isso tem caído por terra no mundo inteiro”, afirma ele, acrescentando que o ideal seria o Supremo, em caso de negar o vínculo de emprego, não afastar a competência da Justiça do Trabalho para analisar fatos e provas em casos concretos em que possa existir fraude da relação contratual, por ferir o artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Enquanto o STF não dá a última palavra sobre o assunto, a primeira e segunda instâncias da Justiça do Trabalho têm dado razão às empresas. Há reconhecimento de vínculo de emprego em apenas 10,26% dos processos julgados (2.653), segundo levantamento da empresa de jurimetria Data Lawyer, divulgado com exclusividade ao Valor. Hoje, há 25,8 mil ações em tramitação, com valor total de R$ 3,36 bilhões.

As decisões que admitem todos os pedidos dos trabalhadores (totalmente procedentes) são apenas 1% (258) do total. A esses casos são somados as parcialmente procedentes, que até agora são 9,26% (2395). As que negam o vínculo (7.132) representam 27,69% do total. Ainda estão pendentes de julgamento 29,94% (5.182).

O número de acordos nos processos é alto: em 29,55% dos casos (7.639) houve negociação firmada entre a empresa e o motorista ou entregador. Na ação que chegou ao STF e esteve em julgamento na semana passada para a definição da repercussão geral, a Uber tentou negociação, mas não foi homologada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). O entendimento foi o de que a empresa, na verdade, buscava não criar uma jurisprudência desfavorável.

No TST, segundo levantamento do órgão, 60% dos processos envolvendo plataformas levados aos ministros entre 2019 e fevereiro de 2024 têm como tema o reconhecimento do vínculo de emprego com trabalhadores. Todas as turmas já se posicionaram, mas de forma bem dividida: enquanto a 1ª, 4ª, 5ª, 7ª e 8ª Turmas negaram vínculos, a 2ª, 3ª, 6ª e 8ª Turmas reconheceram.

De acordo com o advogado que assessora a Cabify e outros aplicativos no STF, Daniel Chiode, do Chiode Minicucci Advogados | Littler, o TST tende a reconhecer o vínculo na Seção de Disssídios Individuais -1 (SDI-1). “Por isso passamos a adotar a estratégia de levar a discussão diretamente para o Supremo, em reclamações. E agora a Uber resolveu entrar com o recurso extraordinário para que seja decidido em repercussão geral e seja adotado em todos os processos”, diz. No STF, afirma Chiode, já existe uma tendência a favor das plataformas. “Essas decisões decorrem do próprio entendimento já consolidado do STF em reconhecer outras formas de contratação, baseadas na legislação civil. É preciso admitir que o trabalhador de 1942 [época da edição da CLT] é muito diferente do de 2024”, afirma. A melhor forma de solucionar esse impasse, segundo o advogado, seria a elaboração de uma lei que construísse um diálogo entre as partes. Ainda que exista uma norma, acrescenta, esse julgamento no STF pode servir de parâmetro. Ele lembra que o acordo costurado com o governo trata apenas de motoristas de aplicativo - não fala dos entregadores. Segundo o advogado Eymard Loguercio, do LBS Advogados, que assessora trabalhadores, estamos diante de um paradoxo, que poderá ser melhor enfrentado pelo STF na repercussão geral. “Nas reclamações, os ministros aplicam precedentes genéricos sobre terceirização e outras formas jurídicas de trabalho que foram reguladas”, diz ele, acrescentando que não caberia aplicar o precedente de terceirização. “Aqui se trata de modelos de negócios que pretendem fugir de suas responsabilidades sociais.” Para Clarissa Lehmen, do escritório Trench Rossi Watanabe, mesmo com a decisão do STF, o importante seria uma regulamentação para a categoria pelo Congresso. “Em vários lugares do mundo, a regulamentação têm buscado dar amparo com a proteção da saúde do trabalhador e estabelecer um seguro acidente”, diz. Em nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), admitida como parte interessada na ação da Uber em repercussão geral, diz que o entendimento contra o vínculo de emprego “vem sendo manifestado há anos por outras instâncias do Poder Judiciário, que firmaram jurisprudência consistente sobre a relação dos parceiros com os aplicativos”. Cita, como exemplo, julgados do STJ, TST e STF. E acrescenta que atua por uma regulamentação para a categoria.

Artigo originalmente publicado no dia 4 de março de 2024 na Folha de S. Paulo.
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